Introdução
A discussão sobre o uso de vinho na Bíblia, especialmente nos episódios das bodas de Caná e da Santa Ceia, levanta uma pergunta essencial: Jesus aprovaria o consumo de bebidas alcoólicas? Muitos argumentam que, se Ele transformou água em vinho e o ofereceu na Ceia, então o vinho fermentado é aceitável. Mas será isso mesmo?
Neste artigo, vamos examinar o que a Bíblia diz sobre o vinho — analisando os termos originais em hebraico e grego — e esclarecer se o vinho bíblico era sempre alcoólico ou não. Também abordaremos por que é perigoso usar “achismos” para justificar escolhas que contrariam os princípios bíblicos.
1. A Bíblia se contradiz quando fala de vinho?
À primeira vista, a Bíblia parece ambígua sobre o vinho. Por exemplo:
Em Salmo 104:15, o vinho alegra o coração.
Mas em Provérbios 20:1, é motivo de zombaria e desgraça.
A razão dessa aparente contradição está no uso genérico da palavra "vinho" em português, que não distingue entre suco de uva fresco e vinho fermentado.
Para compreender a mensagem bíblica com precisão, precisamos ir às línguas originais — hebraico e grego — que possuem termos específicos com diferentes significados e implicações morais.
2. Termos hebraicos e sua aplicação nos contextos bíblicos
Tirosh (תִּירוֹשׁ): refere-se ao suco de uva novo, fresco, não fermentado. É o “vinho” prometido como bênção nas colheitas (Provérbios 3:10; Joel 2:24).
Importante: nunca está ligado à embriaguez ou condenação.
Aplicação: Quando a Bíblia fala da fartura da terra e da bênção de Deus com "tirosh", está falando do suco puro da videira, e não de bebida alcoólica.
Yayin (יַיִן): termo mais comum, pode significar vinho fermentado ou não, dependendo do contexto. Pode alegrar o coração (Salmo 104:15), mas também levar à destruição (Provérbios 23:29-35).
Aplicação: Quando Jesus cita "vinho" na Ceia, o termo grego equivalente usado é "oinos", que carrega a mesma ambiguidade de "yayin". Isso nos força a olhar para o contexto ritualístico e simbólico.
Shekar (שֵׁכָר): bebida forte, fermentada, semelhante a cerveja ou destilados. Sempre com conotação negativa (Levítico 10:9; Provérbios 31:4-5).
Aplicação: A Bíblia proíbe claramente seu uso entre sacerdotes e pessoas consagradas — o que inclui os seguidores de Cristo em nosso chamado sacerdotal (1 Pedro 2:9).
3. Termos gregos e o vinho do Novo Testamento
Oinos (οἶνος): termo genérico, como "yayin". Usado em João 2 (bodas de Caná) e nos relatos da Santa Ceia. Pode ser suco fresco ou fermentado — o contexto é o que determina.
Aplicação em João 2:
Jesus transforma água em “oinos”.
Nada no texto diz que era alcoólico.
Como o milagre acontece instantaneamente, não haveria tempo para fermentação natural.
Além disso, Jesus não criaria uma substância fermentada durante uma celebração santa, correndo o risco de induzir alguém à embriaguez.
O mestre-sala elogia a qualidade, não a fermentação — vinho novo, fresco, é naturalmente mais saboroso.
Gleukos (γλεῦκος): mosto fresco, suco de uva doce, recém-espremido. Usado em Atos 2:13, quando zombam dos apóstolos dizendo que estavam cheios de "gleukos".
Aplicação: Mostra que havia distinção entre vinho fermentado e não fermentado no pensamento dos judeus e gregos.
Sikera (σίκερα): bebida forte, semelhante a shekar. Em Lucas 1:15, é dito que João Batista não beberia sikera nem vinho — uma dupla ênfase na abstinência.
Aplicação: João, como profeta consagrado, era separado até mesmo do “oinos”. Jesus afirmou que entre os nascidos de mulher, ninguém era maior do que João (Lucas 7:28). Seu exemplo de sobriedade não pode ser ignorado.
4. A Ceia e a Páscoa: um símbolo sem fermento
A última Ceia foi celebrada durante a Páscoa. E, conforme Êxodo 12:15-20, nenhum fermento podia estar presente na casa do israelita.
O fermento é símbolo do pecado (Lucas 12:1; 1 Coríntios 5:6-8).
O pão era ázimo, sem fermento.
Logo, o vinho também não poderia ser fermentado, pois representava o sangue puro de Cristo, sem corrupção.
Jesus, o Cordeiro de Deus, não teria usado um elemento corrompido para representar Sua vida imaculada.
5. A raiz do problema: “eu acho” ou “Deus disse”?
Muitos defendem o uso de bebidas alcoólicas com base em achismos:
“Eu acho que beber moderadamente não tem problema...”
“Eu acho que o vinho de Jesus era fermentado...”
Mas essas afirmações costumam refletir uma tentativa de justificar um desejo pessoal — e não um compromisso sincero com a verdade bíblica.
Paulo já previa esse comportamento:
“Amontoarão para si doutores conforme as suas próprias concupiscências” (2 Timóteo 4:3).
Ou seja, em vez de mudar de vida à luz da Palavra, alguns preferem reinterpretar a Palavra à luz do seu estilo de vida.
6. Chamados à sobriedade e pureza
A Bíblia chama os crentes à sobriedade (Tito 2:11-12), domínio próprio (Gálatas 5:22-23) e separação do mundo (Romanos 12:2).
Paulo diz:
“Tudo me é lícito, mas nem tudo convém” (1 Coríntios 10:23).
E ainda:
“Não vos embriagueis com vinho, em que há contenda, mas enchei-vos do Espírito” (Efésios 5:18).
A pergunta final não é “posso beber?”, mas “isso glorifica a Deus?”
7. E o conselho de Paulo a Timóteo?
“Não continues a beber somente água, mas usa um pouco de vinho, por causa do teu estômago e das tuas frequentes enfermidades.” (1 Timóteo 5:23)
Este verso é muitas vezes usado para tentar legitimar o consumo de vinho alcoólico. No entanto, o contexto deixa claro que Paulo está orientando Timóteo a fazer uso medicinal de uma substância conhecida por suas propriedades terapêuticas — muito provavelmente um suco de uva conservado, diluído, ou levemente fermentado, utilizado para tratamento estomacal numa época sem recursos farmacêuticos modernos.
Alguns pontos importantes:
O conselho não é para uso recreativo, mas por causa de enfermidades.
A palavra grega usada aqui é "oinos", o termo genérico que já vimos. Novamente, o contexto determina o significado.
O próprio Timóteo, até então, abstinente, precisava ser incentivado por Paulo a fazer uso da substância, o que reforça sua postura de sobriedade e cautela.
Usar esse verso como desculpa para consumo social ou habitual de álcool é distorcer completamente a intenção da Escritura.
Conclusão: Que tipo de vinho Jesus aprovava?
Quando analisamos:
os termos bíblicos em hebraico e grego,
o contexto ritual da Páscoa,
a natureza simbólica da Ceia,
o padrão de vida santo de Cristo,
…chegamos à conclusão clara de que Jesus não aprovava, produzia nem consumia bebida alcoólica.
Ele é o “sumo sacerdote santo, inocente, imaculado” (Hebreus 7:26), e os símbolos que usou refletem essa pureza.
O vinho de Cristo é o fruto puro da videira — sem fermento, sem pecado, sem escândalo.
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